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A fala no idoso
Catarina Oliveira | Universidade de Aveiro, Portugal
Luciana Albuquerque | Universidade de Aveiro, Portugal
Ana Rita Valente | Universidade de Aveiro, Portugal

Alterações anatomofisiológicas

O envelhecimento é um processo tão natural quanto complexo que implica alterações a vários níveis: fisiológico, cognitivo, psicológico e social (Hermes, Mertens, & Mücke, 2018; Makiyama & Hirano, 2017). O envelhecimento fisiológico é um processo inevitável que envolve mudanças a nível do sistema nervoso central, do sistema músculo-esquelético, do sistema cardiovascular e do sistema respiratório (Hermes et al., 2018). Estas mudanças afetam também os mecanismos anatomofisiológicos de produção de fala (Linville, 2001; Pellegrino, He, & Dellwo, 2018; Schötz, 2006), nomeadamente:

  • Sistema respiratório: diminuição da capacidade pulmonar, aumento da rigidez do tórax e diminuição da força muscular respiratória;
  • Sistema laríngeo: calcificação e ossificação das cartilagens, atrofia dos músculos intrínsecos da laringe, redução da secreção das glândulas mucosas e espessamento do epitélio laríngeo;
  • Sistema supralaríngeo: atrofia dos músculos faciais, mastigatórios e faríngeos, alongamento do trato vocal, diminuição da força dos lábios, alterações dentárias e redução da precisão do lábio inferior e da mandíbula na realização de movimentos rápidos;
  • Sistema nervoso central e periférico: neuropatia das fibras nervosas, diminuição do número de unidades motoras e de células nervosas, diminuição da velocidade de condução e do nível de dopamina, bem como alteração do controlo motor fino.

No que diz respeito ao momento e à extensão destas mudanças com a idade, existem diferenças substanciais entre homens e mulheres.  Estas alterações são geralmente maiores nos homens do que nas mulheres no que respeita: à extensão da alteração da estrutura laríngea; ao controlo motor fino dos movimentos das pregas vocais; aos movimentos da língua; e à velocidade de fala. As mulheres tendem a ser mais vulneráveis a mudanças a nível da mucosa laríngea (Schötz, 2006).

Com o decorrer dos anos, fruto das alterações verificadas nas estruturas anatomofisiológicas e no controlo neuromuscular, tanto a produção como o planeamento da fala se alteram (Hermes et al., 2018; Pellegrino et al., 2018), o que se repercute nas suas características suprassegmentais (e.g., ritmo e entoação) e segmentais (e.g., produção de segmentos, como as vogais).

Alterações suprassegmentais da fala

No domínio suprassegmental, tem sido reportado um aumento na duração e na frequência das pausas, assim como na duração das sílabas, o que tem como consequência a diminuição da taxa de elocução (de cerca de 20 a 25%) com o envelhecimento (Linville, 2001; Schötz, 2006; Steffens, 2011). As principais causas apontadas para estas alterações são a diminuição da velocidade de condução nervosa e da capacidade respiratória. É expectável que as alterações no controlo da respiração para a fala afetem a estrutura prosódica.

Em relação à frequência fundamental (F0) de fala, esta tende a diminuir, no sexo feminino, com a idade (Leung, Oates, Papp, & Chan, 2020; Winkler, 2004). Para o sexo masculino, há um menor consenso, sendo que alguns estudos indicam que diminui (Vipperla, Renals, & Frankel, 2010) e outros sugerem um aumento da F0 de fala nas idades mais avançadas (Ramig & Ringel, 1983; Winkler, 2004). As principais causas apontadas para a diminuição de F0 nas mulheres são o edema das pregas vocais, com consequente aumento de massa, resultante das alterações endócrinas pós-menopausa (Linville, 2001; Schötz, 2006). Nos homens idosos, o aumento de F0 pode dever-se à atrofia muscular, à diminuição da espessura e ao aumento de rigidez das pregas vocais, que levam à perda de massa a nível das pregas vocais (Linville, 2001; Schötz, 2006). No que diz respeito à variabilidade de F0 de fala, esta tende a ser superior em pessoas mais velhas, o que pode estar relacionado com o envolvimento de uma maior carga emocional na fala espontânea (Dimitrova, Andreeva, Gabriel, & Grünke, 2018; Markó & Bóna, 2010).

A maioria da literatura refere uma diminuição da intensidade vocal em idosos, provavelmente decorrente da redução da capacidade respiratória (Linville, 2001; Schötz, 2006). 

Alterações segmentais com a fala

Relativamente às características segmentais da fala, há uma tendência para o aumento da duração dos fonemas com o envelhecimento (Linville, 2001).

Os estudos acústicos de vogais indicam um padrão de variação de F0 semelhante ao mencionado a nível suprassegmental. Verifica-se uma tendência de diminuição de F0 nas mulheres, enquanto nos homens, apesar de os dados disponíveis serem menos consensuais, se evidencia uma diminuição progressiva da F0 até aos 40-50 anos, seguida de um aumento acentuado nos mais idosos (Linville, 2001; Schötz, 2006; Steffens, 2011).

O envelhecimento acarreta ainda uma diminuição da estabilidade fonatória em ambos os sexos, provocando um aumento dos valores do jitter, do shimmer e do desvio-padrão de F0 (Linville, 2001; Schötz, 2006). O índice sinal ruído (harmonic-to-noise-ratio – HNR), que relaciona a componente harmónica e a componente de ruído da onda acústica, tende a diminuir com a idade, principalmente em mulheres. De um modo geral, o tremor, o aumento da rouquidão e da soprosidade, características que têm sido associadas à fala de idosos, parecem resultar precisamente do declínio da estabilidade de F0 (Linville, 2001; Schötz, 2006).

As mudanças nas características de ressonância do trato vocal com a idade têm sido menos estudadas e não apresentam uma tendência clara. A maioria dos estudos refere uma diminuição geral da frequência dos formantes das vogais com a idade (Watson & Munson, 2007; Xue & Hao, 2003), que estará relacionada com o alongamento do trato vocal. Também parece haver uma tendência para a centralização das vogais (Rastatter, McGuire, Kalinowski, & Stuart, 1997; Torre III & Barlow, 2009), mas em alguns estudos estas mudanças só foram observadas para determinadas vogais e/ou falantes (Albuquerque, Oliveira, Teixeira, Sa-Couto, & Figueiredo, 2020; Eichhorn, Kent, Austin, & Vorperian, 2018). A centralização das vogais no espaço acústico advém de alterações a nível do movimento da língua com a idade (Rastatter et al., 1997).

Todas estas modificações são uma consequência natural do envelhecimento humano e não devem ser confundidas com perturbações vocais de causa patológica. O diagnóstico de presbifonia (que corresponde à disfonia relacionada com a idade e é um processo normal do envelhecimento humano) é um diagnóstico de exclusão, após uma avaliação médica e vocal cuidada (Arviso & Johns III, 2009; Kendall, 2007). No entanto, para além da idade cronológica, o processo de envelhecimento vocal também pode ser afetado por: fatores ambientais, estilo de vida, hábitos tabágicos, condição de saúde, estado emocional ou medicação.

Em suma, neste verbete foram descritas as principais alterações anatomofisiológicas decorrentes do envelhecimento, bem com as suas principais consequências na produção de fala. O envelhecimento vocal é um conceito multidimensional, pelo que o seu estudo tem tanto de complexo como de desafiante. O conhecimento das alterações de fala típicas da idade pode ter um impacto positivo no desempenho dos sistemas de reconhecimento e de síntese de fala de idosos, o que pode contribuir para uma melhoria da sua qualidade de vida.


Bibliografia

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