A aerodinâmica é uma subdisciplina da Física que se dedica ao estudo de fenômenos que envolvem o ar em movimento. Aplicada aos estudos da fala, trata das características associadas à corrente de ar utilizada para produção dos sons pelo trato vocal. Na produção da fala, os sons são gerados por uma constrição, ou estreitamento das vias aéreas, acima ou na glote e pelo estabelecimento de um fluxo de ar que passa rapidamente através desse estreitamento (STEVENS, 2012). A compreensão de como a corrente de ar atua durante a produção sonora é fundamental para os estudos da fala, porque, associada à compreensão dos mecanismos articulatórios, permite entender e explicar plenamente como os diferentes sons são produzidos. Em especial, serão destacados a seguir três aspectos que ilustram a importância da aerodinâmica para os estudos da fala: (1) a fonação como resultado de variações de pressão, (2) a existência de segmentos com diferentes mecanismos de corrente de ar e (3) a descrição extensiva e detalhada de modos de produção de sons, por exemplo, as consoantes fricativas.
A fonação, ou produção de uma onda sonora a partir da vibração das pregas vocais, ocorre pela interrupção periódica da corrente de ar proveniente dos pulmões por meio das pregas vocais, que atuam como uma válvula (SHADLE, 2010). Durante cada ciclo de vibração das pregas vocais, ou ciclo glótico, as pregas passam do estado fechado para o estado aberto e novamente para o estado fechado devido a variações na pressão abaixo da glote (ou pressão subglótica), como descreve Stevens (2010): quando as pregas estão fechadas, não há fluxo de ar e a pressão subglótica aumenta progressivamente, se opondo ao fechamento das pregas. Quando a pressão subglótica se torna suficiente para abrir as pregas, ocorre o fluxo de ar através da glote, acompanhada por uma queda súbita na pressão subglótica. As pregas vocais retornam, então, à posição fechada. O processo se repete centenas de vezes por segundo na produção de sons vozeados. Alterações no acionamento das pregas vocais e em sua estrutura podem causar diferenças nos sons produzidos, tanto com finalidade linguística, quanto de natureza patológica. Características aerodinâmicas são comumente empregadas na avaliação da dinâmica de vibração das pregas vocais em contextos linguísticos específicos, assim como na avaliação de sua integridade anatômica e funcional.
A maioria dos sons encontrados nas línguas do mundo envolve uma corrente de ar que é iniciada pela ação das estruturas do sistema respiratório e que se direciona à cavidade oral, portanto, se deslocando de dentro para fora do aparelho fonador, no mesmo sentido da expiração. É o que se chama de corrente de ar com mecanismo pulmonar egressivo, presente na maioria dos sons das línguas e em todas as línguas do mundo (LADEFOGED; MADDIESON, 1996). Existem, no entanto, sons em que a corrente de ar, chamada ingressiva, tem sentido oposto, de fora para dentro do aparelho fonador, como na inspiração. Há também sons em que a corrente de ar é iniciada, não pelo sistema respiratório, mas pela movimentação da laringe, onde se situa a glote (corrente glotálica), ou na própria cavidade oral (corrente velárica). Os sons com mecanismo glotálico podem ter corrente de ar tanto egressiva quanto ingressiva. O primeiro caso (corrente de ar glotálica egressiva) corresponde aos sons chamados ejetivos. Neles, com a glote fechada e uma oclusão oral, a laringe é rapidamente levantada, o que leva a um aumento da pressão na cavidade oral, seguida de uma soltura de grande amplitude, quando a oclusão é liberada (LADEFOGED; MADDIESON, 1996). O segundo caso (corrente de ar glotálica ingressiva) corresponde aos sons implosivos. Neles ocorre uma oclusão oral junto com o abaixamento da laringe, levando a um abaixamento da pressão na cavidade oral e fazendo com que, por sucção, a corrente de ar flua momentaneamente de fora para dentro da cavidade oral (LADEFOGED; MADDIESON, 1996). Por fim, os sons produzidos com corrente de ar velárica, chamados de cliques, são sons produzidos com a atuação de dois pontos simultâneos de fechamento na cavidade oral. Os pontos de fechamento são ligeiramente afastados, provocando a redução da pressão na cavidade oral, de forma que a soltura do fechamento mais frontal ocorra com grande amplitude sonora (LADEFOGED; MADDIESON, 1996). Enquanto os sons pulmonares estão presentes em todas as línguas do mundo, os sons ejetivos ocorrem em 18% e os implosivos em 10% das línguas, no levantamento de Ladefoged e Maddieson (1996). Os cliques apresentam distribuição geográfica bem delimitada, presentes especialmente em línguas ao sul da África (LADEFOGED; MADDIESON, 1996). Exemplos de em áudio de sons com diferentes mecanismos de corrente de ar podem ser encontrados em Johnson (2020, cap. 6).
Mesmo os sons comumente encontrados em todas as línguas do mundo podem ter seu processo de produção melhor descrito e explicado ao se considerar aspectos aerodinâmicos. Nas consoantes fricativas, por exemplo, sons ruidosos, a aproximação dos articuladores gera um estreitamento acentuado do trato vocal, que, ao ser submetido a um fluxo de ar, afeta a direção e velocidade do fluxo (STEVENS, 2010). A produção do ruído que caracteriza as fricativas depende crucialmente da geração do fluxo de ar turbulento (ou seja, em que a velocidade e a direção do fluxo de ar após a constrição são instáveis e caóticas). Isso requer tanto o estabelecimento de uma velocidade mínima no fluxo de ar, quanto de uma área reduzida mínima na constrição (SHADLE, 2012). Além disso, em certas fricativas, como a alveolar e a alveopalatal, a corrente de ar incide sobre um obstáculo (os alvéolos) imediatamente após atravessar a constrição, o que é responsável por um aumento considerável na amplitude do ruído produzido (STEVENS, 2010). A produção das fricativas pode ser avaliada aerodinamicamente pelo monitoramento do fluxo concomitante com a pressão oral; permite, por exemplo, obter uma estimativa da área de constrição, dificilmente medida por métodos de imageamento do trato vocal (SHADLE, 2010).
A avaliação aerodinâmica dos sons da fala é especialmente importante para determinar características como o sentido da corrente de ar e a organização temporal de eventos articulatórios (LADEFOGED, 2010). Mostra-se crucial para a descrição fonética, como procurou-se ilustrar com os três aspectos apresentados anteriormente. Entre as medidas aerodinâmicas mais comumente utilizadas em estudos da fala estão a pressão na cavidade oral, a pressão na faringe, a pressão abaixo da glote, assim como o fluxo de ar que passa pelo nariz e pela boca (LADEFOGED, 2010). São necessários equipamentos específicos, que incluem sensores e transdutores de pressão (que captam variações de pressão e as transformam em sinais elétricos) e máscaras orais e nasais (capazes de estimar o fluxo de ar) (SHADLE, 2010). A aquisição de equipamentos específicos e o treinamento de pessoal nas técnicas necessárias para sua utilização implicam em investimento financeiro considerável. Além disso, medidas de pressão são invasivas, pois demandam a inserção de um elemento, como tubo, balão ou agulha, no local onde se deseja realizar a medição, podendo até mesmo exigir a atuação de profissional da saúde. São fatores que certamente limitam a pesquisa em aerodinâmica da fala e impedem a sua difusão ampla em centros de pesquisa ao redor do mundo.
Referências
LADEFOGED, P. Instrumental Techniques for Fieldwork. In: HARDCASTLE, W.; LAVER, J.; GIBBON, F. (Ed.) The handbook of phonetic sciences. 2nd ed. Malden: Blackwell, 2010.
LADEFOGED, P.; MADDIESON, I. The sounds of the world’s languages. Oxford: Blackwell, 1996.
JOHNSON, K. A Course in Phonetics. (Material de apoio ao livro de mesmo nome, por Ladefoged e Johnson). UC Berkeley Linguistics, 2020. Disponível em https://linguistics.berkeley.edu/acip/
SHADLE, C. The Aerodynamics of Speech. In: HARDCASTLE, W.; LAVER, J.; GIBBON, F. (Ed.) The handbook of phonetic sciences. 2nd ed. Malden: Blackwell, 2010.
SHADLE, C. The Acoustics and Aerodynamics of Fricatives. In: COHN, A.; FOUGERON, C.; HOFFMAN, M. K. (Ed.) The Oxford Handbook of Laboratory Phonology. Oxford University Press, 2012, p. 511-526.
STEVENS, K. Articulatory-Acoustic-Auditory Relationships. In: HARDCASTLE, W.; LAVER, J.; GIBBON, F. (Ed.) The handbook of phonetic sciences. 2nd ed. Malden: Blackwell, 2010.