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Fonologia métrica
Filomena Sandalo | Departamento de Linguística, Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP

A fonologia métrica refere-se a uma abordagem gerativa de análise e previsão de proeminências lexicais, também conhecidas como acentos tônicos. O termo acento tônico, entretanto, não é totalmente adequado, pois o correlato acústico das proeminências abordadas nem sempre é o mesmo. Portanto o termo proeminência lexical é mais adequado, podendo haver proeminências primárias (mais salientes) e secundárias (menos salientes). Nesta abordagem, segmentos fônicos estão organizados em uma hierarquia fonológica. O menor constituinte métrico é o pé, e é através deste constituinte que se prevê as proeminências lexicais de cada língua. Esta é uma proposta baseada em parâmetros e, em uma teoria paramétrica, um sistema de regra é considerado como uma escolha particular de uma lista limitada de opções ou parâmetros. Um pé é construído segundo os seguintes parâmetros (Halle & Vergnaud 1987, Hayes 1995): 

1. Tipo de pé

1.1. Tamanho                             

a. Ilimitado: o acento tônico está na sílaba mais à direita ou mais à esquerda.                             
b. Delimitado: o acento recai em sílabas ou moras alternadas.              

1.2. Sensibilidade ao Peso                              

a. Silábico: a construção do pé simplesmente conta as sílabas, ignorando suas estrutura interna.                              
b. Moraico: a construção do pé conta as moras. Moras são unidades temporais na rima  silábica.              

1.3. Rotulagem –                              

a.  Troqueu: núcleo à esquerda (ou seja, pés binários com proeminência inicial).                             
b. Iâmbico: núcleo à direita (ou seja, pés binários com proeminência final).

2. Direção do parseamento              

Da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda

3. Iteratividade

A construção do pé é iterativa ou não iterativa (ou seja, aplica-se apenas uma vez). 

Para exemplificar uma análise vejamos a proposta de Harris (1989) para o espanhol. Harris, no quadro da Teoria Métrica, propõe uma análise para o espanhol em que proeminências secundárias são atribuídas pela construção de pés troqueus silábicos da direita para a esquerda, de modo iterativo, na cadeia das sílabas que precedem a sílaba portadora do acento primário. Esta análise é exemplificada em (1). Na palavra em (1), a proeminência primária está em negrito e a secundária, sublinhada. Na representação, os pés são marcados por parênteses e o “x” representa as proeminências atribuídas pela análise. Os símbolos “s” representam sílabas. O direcionamento é representado por uma flecha.  

A teoria métrica propõe constituintes binários, ou seja, pés binários, quando o tamanho do pé for delimitado. No entanto, padrões ternários também são apontados na literatura (por exemplo, latim). E duas propostas teóricas surgiram da discussão: (i) assumir pés ternários como uma possibilidade de pés delimitados (Liberman & Prince 1977, Hayes 1980, Blevins & Harrison 1999, Halle & Vergnaud 1987, entre outros); ou (ii) manter que apenas pés binários são primários e a existência de ternaridade deriva de modos especiais de análise como adjunção de uma sílaba extramétrica (ver Hayes 1995). Esta última abordagem baseia-se na observação tipológica de que línguas com padrões ternários combinam a existência de padrões ternários com padrões binários. Em outras palavras, as línguas que apresentam padrões ternários apresentam também padrões binários. Assim, a existência de pés ternários como unidades primárias tem sido fortemente refutada. O livro que mais marca a Fonologia Métrica é o de Hayes (1995) e ele refuta pés ternários como unidades primitivas. O autor propõe a ideia de parseamento local fraco (weak local parsing), segundo o qual pés binários são parseados pulando uma sílaba para cada pé construído.  2.     A análise do português na abordagem da Teoria Métrica                Considerando que muitas palavras do português têm o acento primário na última sílaba se ela for pesada, vários autores postularam que esta proeminência é atribuída a partir da construção, da direita para a esquerda, de pés troqueus moraicos não-iterativos (ver Wetzels 1997, 2007, Bisol 1992, 2000 e Massini-Cagliari 1995, dentre outros. Como mencionado anteriormente, moras correspondem a cada unidade de tempo na rima silábica, assim, uma sílaba pesada (i.e. que tem coda, como em dor) tem duas moras (m). Nesta análise, portanto, os padrões ternários do português são derivados de um processamento em pés binários com uma sílaba extramétrica no final destas palavras, as quais  são, em sua maioria, empréstimos do grego e do latim. Na representação em (3), <> representa extrametricidade na palavra proparoxítona mágica

No entanto, há um número significativo de palavras terminadas em sílabas leves que são portadoras de acento na última sílaba (e.g., ca). Além disso, embora cerca de 80% das palavras terminadas em sílabas pesadas sejam acentuadas na última sílaba (Bisol, 1992), há também muitas palavras com acento na penúltima sílaba ainda que a última seja pesada (e.g., caver). Por este motivo, Lee (1994, 2002) revisita Camara Jr. (1953) e postula que /e/, /a/ e /o/ em posição final de nomes são vogais temáticas que estão fora do domínio do acento. De acordo com Lee, o domínio do acento em português é a raiz, não o radical, e a atribuição de acento primário baseia-se em um padrão iâmbico não-iterativo. De acordo com a sua análise, palavras como mesa têm acento na penúltima sílaba porque sua última vogal é a vogal temática, ou seja, um sufixo, e está, portanto, fora do domínio do acento. Palavras como ca, por outro lado, têm acento na última sílaba porque não têm vogal temática. Embora a análise de Lee tenha a vantagem de diminuir o número de exceções, ela é circular para um determinado conjunto de palavras, porque só podemos saber se uma vogal é temática ou não (ou seja, um sufixo) nessas palavras, se soubermos se ela é ou não acentuada (cf, e.g., mesa e so). Além da circularidade, as proparoxítona permanecem não explicadas. Na análise de proeminências secundárias, no Brasil, para o português brasileiro, os autores aplicam a mesma análise de Harris para o espanhol (ver Colischonn 1993, por exemplo)              


Bibliografia básica sobre a proposta da Teoria Métrica

Blevins, Juliette & Sheldon P. Harrison. 1999. Trimoraic feet in Gilbertese. Oceanic

Linguistics 38(2). 203–230.

Halle, Morris & Jean-Roger Vergnaud. 1987. An essay on stress. Cambridge, MA: MIT Press. 

Hayes, Bruce. 1980. A metrical theory of stress rules. Ph.D. dissertation, MIT.

_____. 1995. Metrical stress theory: Principles and Case Studies. University of  Chicago Press.

Harris, James. 1983. Syllable structure and stress in Spanish: a nonlinear analysis. Cambridge, MA: MIT Press.

_____. 1989. A podiatric note on secondary stress in Spanish. MIT, ms.

Liberman, Mark  & Alan Prince. 1977. On stress and linguistic rhythm. Linguistic Inquiry 8: 249-336.

Bibliografia básica sobre o português neste modelo de análise:

Bisol, Leda. 1992. O acento e o pé métrico binário. Cadernos de Estudos Lingüísticos, 22: 69-80. Universidade Estadual de Campinas .

_______. 2000. O troqueu silábico no sistema fonológico. DELTA 16: 403-413.

Camara Jr., Joaquim Mattoso. 1953. Para o estudo da fonêmica portuguesa. Rio de Janeiro: Organização Simões.

Collischonn, Gisella. 1993. Um estudo do acento secundário em português. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Lee, Seung-Hwa. 1994. A regra de acento do português: outra alternativa. Letras de Hoje 98: 37-

42.

_______. 2002. Primary stress in Portuguese non-verbs. Estudos Lingüísticos 5. Belo Horizonte:

FALE/UFMG.

Massini-Cagliari, Gladis. 1995. Cantigas de amigo; do ritmo poético ao lingüístico – um percurso histórico da acentuação em português. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas.

Wetzels, Leo. 1997. The lexical representation of nasality in Brazilian Portuguese. Probus 9 (2): 203-232.

__________ .2007. Primary word stress in Brazilian Portuguese and the Weight Parameter, Journal of Portuguese Linguistics 6(1), p.9-58. doi: https://doi.org/10.5334/jpl.144