Os distúrbios ou transtornos motores da fala podem ocorrer tanto durante o processo de aquisição da linguagem quanto após o período de aquisição da linguagem. Quando ocorre durante o processo de aquisição são denominados de distúrbios motores de fala na infância, enquanto se o acometimento ocorrer após o período de aquisição da linguagem são denominados de distúrbios motores adquiridos.
Os distúrbios motores da fala resultam, em geral, de uma causa motora/neurológica.
A perspectiva etiológica classifica os Distúrbios dos Sons da Fala por tipologia, com base em fatores etiológicos e de risco subjacentes (SHRIBERG et al., 2010). Assim sendo, os autores propuseram um Sistema de Classificação dos Distúrbios dos Sons de Fala (SCDSF) de acordo com os seguintes subtipos: a) Atraso de Fala (Speech Delay), decorrentes de fatores genéticos, de Otite Média de Repetição e/ou envolvendo fatores relacionados ao desenvolvimento psicossocial; b) Distúrbios Motor de Fala (Motor Speech Disorder), em virtude da alteração do controle motor da fala e/ou programação da fala; e c) Erros Residuais (Speech Errors), decorrentes de alterações na precisão da produção da fala.
No que tange aos Distúrbios Motores de Fala na infância, Shriberg et al. (2019) alertam para o fato de que embora os Distúrbios Motores de Fala podem coocorrer tanto com os distúrbios dos sons da fala de natureza funcional ou idiopática, quanto com os distúrbios dos sons da fala de natureza orgânica no contexto dos transtornos do neurodesenvolvimento como, por exemplo, síndrome de Down, síndrome do X frágil, galactosemia, síndrome velocardiofacial, dentre outras.
Shriberg et al. (2019) categorizam os Distúrbios Motores de Fala na infância em quatro subtipos: Apraxia de Fala na Infância (AFI), Disartria Infantil (DI), Atraso Motor da Fala (AMF) e AFI com DI.
O Atraso Motor de fala é uma desordem na execução motora da fala, caracterizado como déficit na precisão e na estabilidade da fala, bem como na prosódia.
As manifestações clínicas do AMF são o deslizamento lateral da mandíbula (pouca estabilidade da mandíbula); os movimentos reduzidos de retração e do arredondamento dos lábios; a coordenação deficiente da mandíbula e dos lábios em dois planos de movimento; a dificuldade na dissociação entre ponta da língua e da mandíbula; a dificuldade em alternar o local da articulação; a falta de dissociação da mandíbula para conduzir movimentos da fala; as distorções de vogais e de consoantes. Destaca-se, ainda, que conforme aumenta a complexidade em termos de padrão silábico e extensão da palavra, os sinais clínicos como a imprecisão e instabilidade na produção motora tentem piorar (NAMASIVAYAM, et al. 2020; SHRIBERG et al. 2019a; SHRIBERG et al. 2019b).
O AMF era chamado de distúrbio motor de fala não-especificado ou, ainda, era chamado de distúrbio de som de fala com componente motor associado (SHRIBERG et al., 2010).
A Apraxia de Fala na Infância é um transtorno de origem neurológica que prejudica a consistência e a precisão dos movimentos da fala na ausência de déficits neuromusculares, de origem desconhecida, que interfere no planejamento e na programação motora de fala (ASHA, 2007).
Existe um consenso de que três características principais compõem o diagnóstico para AFI: (i) erros inconsistentes em consoantes e vogais em produções repetidas de sílabas ou palavras; (ii) transições coarticulatórias alongadas ou interrompidas entre segmentos e sílabas; e (iii) prosódia inadequada (ASHA, 2007; NAMASIVAYAM et al., 2020).
Strand (2020) elenca características frequentemente presentes, mas não discriminatórias, uma vez que pode ocorrer com qualquer TSFs, a saber: repertório limitado de consoantes e vogais; padrão silábico simples, omissão de segmentos; demasiados erros; inteligibilidade de fala prejudicada. Além disso, têm-se características clínicas com maior probabilidade de serem discriminativas para AFI, tais como: prejuízos na transição de uma configuração articulatória para outra (coarticulação); tateio articulatório; presença de distorções vocálicas, erros prosódicos, erros de vozeamento inconsistentes; distorções consonantais devido às mudanças no modo articulatório; schwa intrusivo; inconsistência na produção de palavras ou frases em tentativas repetidas.
AFI pode advir de comprometimentos no sistema nervoso central, genéticos e/ou somando-se aos distúrbios neurocomportamentais complexos (SHRIBERG et al. 2019b).
A Disartria Infantil (DI) caracteriza-se por uma desordem neuromuscular na execução da fala, caracterizada por paralisia, fraqueza ou incoordenação da musculatura da fala, impactado pela anormalidade na força, na amplitude de movimento, no tônus ou na precisão dos movimentos necessários para o controle adequado dos subsistemas da fala (DUFFY, 2019). Tais características são consistentes e estão alteradas nos cinco seguintes sistemas: fonação, articulação, ressonância, respiração e musculatura (NAMASIVAYAM et al., 2020). É importante considerar que as crianças com disartria podem apresentar uma variedade de sintomas que se manifestam em um ou vários domínios do subsistema da fala, o que implica na heterogeneidade clínica, no diagnóstico diferencial e no prognóstico deste grupo de crianças.
A Apraxia da Fala na Infância e a Disartria Infantil podem coocorrer e são dois distúrbios neurológicos motores da fala que afetam consideravelmente a inteligibilidade da fala. Entretanto, os dois diagnósticos apresentam bases etiológicas divergentes. Enquanto a AFI é considerada um distúrbio no planejamento e na programação motora da fala na ausência de déficits neuromusculares (ASHA, 2007), a disartria infantil é um distúrbio neuromuscular da execução motora, resultante de anormalidades na força, na amplitude de movimento, no tônus ou na precisão dos movimentos necessários para o controle adequado dos subsistemas da fala.
A comorbidade de AFI e disartria é relatada em 4,9% das crianças com distúrbios complexos do neurodesenvolvimento (IUZZINI-SEIGEL et al, 2022).
Os distúrbios motores da fala adquiridos na idade adulta ou idosa são condições neurológicas que afetam algum nível do processamento motor da fala, após a maturação do desenvolvimento desta função, causados por danos estruturais ao sistema nervoso central e/ou periférico, de natureza progressiva ou não progressiva.
Os distúrbios motores da fala adquiridos mais frequentes na população adulta e idosa são, respectivamente, as Disartrias Adquiridas e a Apraxia de Fala Adquirida (ASHA, 2023; DUFFY, 2013; FOUGERON et al., 2022). Tais quadros podem manifestar-se isoladamente, mas sua coocorrência é comum, podendo envolver a associação com quadros de alteração da linguagem, como as afasias, dentre outras alterações cognitivas e/ou sensório-motoras (ASHA, 2023).
A Apraxia de Fala Adquirida é um “distúrbio neurológico da fala que reflete um prejuízo da capacidade de planejar e programar os comandos sensoriomotores necessários para direcionar os movimentos que resultam em uma fala fonética e prosodicamente normal” (DUFFY, 2013). Tal condição também é denominada na literatura como Apraxia Verbal ou Dispraxia (ASHA, 2023) e, quando a alteração práxica da fala é o primeiro e único ou mais proeminente sinal em uma condição neurodegenerativa, denomina-se de Apraxia de Fala Progressiva Primária (UTIANSKI, JOSEPHS, 2023).
As manifestações clínicas características desse quadro, com maior consenso na literatura, incluem: a ocorrência de distorções fonéticas e substituições e adições distorcidas; a velocidade de fala reduzida; o aumento da duração intra e inter segmentos; a acento igual entre as sílabas; e o agravamento dessas erros com o aumento da complexidade do estímulo de fala (ASHA, 2023; DUFFY, 2013; UTIANSKI, JOSEPHS, 2023). A depender do predomínio dos erros articulatórios e/ou prosódicos, a Apraxia de Fala Adquirida, especialmente associada a quadros progressivos, tem sido classificada de acordo com os subtipos: articulatório, prosódico ou misto (UTIANSKI, JOSEPHS, 2023).
As disartrias são “um grupo de distúrbios de fala neurológicos que refletem alterações na força, velocidade, amplitude, estabilidade, tônus e precisão dos movimentos requeridos para a respiração, fonação, ressonância, articulação e aspectos prosódicos da produção da fala” (DUFFY, 2013). Tais mudanças são decorrentes de um ou mais problemas sensório-motores, incluindo fraqueza ou paresia, incoordenação, movimentos involuntários, ou tônus muscular variável, excessivo ou reduzido (ASHA, 2023), que comprometem em diferentes graus a inteligibilidade da fala e/ou sua naturalidade.
Classicamente, as disartrias são classificadas de acordo com as características perceptivo-auditivas da fala e o topodiagnóstico da lesão neurológica, considerando as estruturas e/ou vias neurais comprometidas, a saber: sistema do neurônio motor inferior, sistema do neurônio motor superior, circuito de controle dos núcleos da base e/ou circuito de controle do cerebelo. Os tipos de disartria são: flácida, espástica, neurônio motor superior unilateral, hipocinética, hipercinética, atáxica, mista e indeterminada, e suas manifestações clínicas na fala e/ou nas estruturas envolvidas em sua produção variam entre os quadros, possibilitando diferenciá-los clinicamente (ASHA, 2023; DUFFY, 2013).
Ainda que a disartria seja considerada tradicionalmente um distúrbio da execução motora da fala, nas disartrias hipocinética, hipercinética e atáxica, a literatura atual tem apontado para a ocorrência de déficits de programação associados à falha de execução motora da fala nesses quadros (MERWE, 2020).
Em síntese, ao considerar os Distúrbios Motores da Fala deve-se averiguar não apenas o período em que ele ocorreu (na criança ou no adulto/idoso), como também deve-se considerar os seus subtipos em função das suas manifestações clínicas. O diagnóstico deve ser feito por fonoaudiólogos, a partir de avaliações específicas e provas complementares.
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