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Línguas regionais
Philippe Boula de Mareüil | Laboratoire Interdisciplinaire des Sciences du Numérique

As línguas regionais são definidas como línguas faladas em parte do território nacional de um país, sem se beneficiarem do reconhecimento conferido às línguas oficiais. Fala-se também de línguas minoritárias, mesmo que localmente essas línguas possam ser majoritárias. Algumas delas, chamadas de línguas por elaboração (ou línguas Ausbau), surgiram por dissociação de continuums linguísticos ou por rompimento de vínculos com uma variedade padrão (Kloss, 1967): é o caso, por exemplo, do corso, uma língua ítalo-românica que foi isolada da área de influência italiana desde que a Córsega se juntou à França em 1768-1769. Outras, conhecidas como línguas Abstand, estão tão distantes das suas vizinhas geográficas que dificilmente podem ser consideradas como dialetos dessas línguas dominantes: é o caso, por exemplo, do basco, uma das raras línguas não indo-europeias da Europa. Na América, onde línguas importantes como o inglês, o espanhol e o português conseguiram estabelecer-se, fala-se de línguas indígenas mais do que línguas regionais. Fala-se também de dialetos ou línguas de herança, como no caso das comunidades holandesas no Brasil, que não são necessariamente as línguas fortes dos falantes, em um contexto de diáspora.

A questão de qual é a diferença entre um dialeto e uma língua é uma velha questão e, em grande parte, uma má questão, como aquela que consiste em perguntar, em um quarto, qual é a parede direita e qual é a parede esquerda: tudo depende do ângulo de observação. Um dialeto é interpretado negativamente no senso comum como não moderno, não escrito, sem gramática. Para a folk linguistics, que está particularmente interessada no que as pessoas dizem sobre a linguagem (Preston, 2005), um dialeto é entendido como um falar oral, regional, muito pouco diferenciado de uma língua de escopo mais amplo e sem regras. Em termos puramente linguísticos, no entanto, é impossível distinguir entre língua e dialeto: a distinção é de outra ordem, sociolinguística, política, cultural, histórica. Conhece-se a piada atribuída ao marechal Lyautey e ao sociolinguista Weinreich: uma língua é um dialeto que tem um exército e uma marinha.

A terminologia é ainda obscurecida pelo uso norte-americano do termo dialeto ‘dialect’ para designar, por exemplo, uma variedade de inglês falada em uma cidade como Nova York, em que o termo sotaque ‘accent seria mais apropriado, permitindo a distinção, por exemplo, entre um sotaque morávio em tcheco e vários dialetos ou idiomas eslavos. Um dialeto pode ser distinguido de outro dialeto, como uma língua regional de outra língua regional, pela gramática e pelo vocabulário, enquanto os sotaques regionais stricto sensu implicam apenas diferenças na pronúncia. Quer falemos de dialeto ou de língua regional, entramos em uma relação hierárquica de diglossia entre uma variedade alta (muitas vezes oficial) e uma variedade baixa (o idioma ou dialeto minoritário) em termos de prestígio (Ferguson, 1959). A noção de diglossia, herdeira de estados-nações, é hoje criticada por superestimar a homogeneidade das práticas linguísticas, enquanto as variedades podem alternar ou misturar-se no mesmo enunciado (code switching e code mixing). É o caso, em particular, de certos crioulos, para os quais foi proposta a noção de interlecto, com um pólo basiletal (desviando-se ao máximo da língua que lhe deu o seu léxico) e um pólo acroletal (mais próximo).

As línguas crioulas são tradicionalmente definidas como o produto de uma mistura linguística, resultante das expedições mercantis europeias à África e da deportação de escravos africanos para as Américas e o Oceano Índico. Resultam da aquisição imperfeita de uma língua-alvo em um contexto que favorece o surgimento e a fossilização de interlínguas de aprendizes (Chaudenson, 2004). O seu “estado civil” e as condições da sua gênese relativamente recente (entre os séculos XVII e XVIII), mais frequentemente em ilhas, conferem aos crioulos um estatuto particular em comparação com as línguas regionais ou minoritárias, mas interpenetrados com o francês. Quando as fronteiras são apagadas com essa última língua, os crioulos podem  tornar-se tão ameaçados quanto os dialetos ou línguas regionais da Europa e, em parte, levantar as mesmas questões, como a relação oral/escrito.

Frequentemente, os crioulos, os dialetos e as línguas minoritárias enfrentam uma minoração dupla, por parte dos seus próprios falantes, que podem manifestar uma espécie de ódio a si mesmo (Ninyoles, 1969), e por parte de falantes das línguas dominantes. Os primeiros (mas também os últimos) confinam essas falas à esfera privada, para um uso familiar e informal. Estamos cada vez mais lidando com dialetos rurais, socialmente rebaixados e que têm um único registro, o do imediatismo e do cotidiano. Constituem a linguagem do povo, pois as elites os abandonaram em favor de variedades de maior prestígio. Os dialetos seriam, portanto, incapazes de dizer tudo, de expressar abstrações, de adaptar-se ao mundo moderno. O termo dialeto continua a ser avaliado pejorativamente, enquanto os dialetos italianos, por exemplo, não são formas corrompidas da língua italiana, mas desempenham um papel sociolinguístico diferente. Assim, em reação a um longo período de desprezo pelos dialetos e ao fato de a União Europeia reconhecer apenas as línguas minoritárias ou regionais menos utilizadas, alguns argumentam que o lígure, o siciliano, o napolitano, são línguas (e não dialetos).

São muitos os argumentos dos opositores políticos das línguas regionais, de direita e de esquerda, que só concordarão com alguns elementos de linguagem que destacam a riqueza da nossa herança linguística. A patrimonialização é um meio de museificar essas línguas, de remetê-las a um passado que se foi e de não fazer nada pela sua transmissão. A este argumento se acrescenta o da fragmentação dialetal, da heterogeneidade e da falta de padronização das línguas minoritárias, o que as tornaria, portanto, não funcionais. Para sair do que parece ser um “círculo vicioso”, poderíamos criar meios para dotar essas línguas de sistemas de escrita unificados, gramáticas e manuais de ensino. No entanto, a vontade política e econômica não está lá, na maioria das vezes. Uma exceção notável, no mundo industrializado, é o catalão, que aproveita um capital de simpatia com a burguesia da Catalunha há mais de um século e foi apoiado pela ação pró-ativa da Generalitat desde o fim do franquismo (Fishman, 1991). Na verdade, o termo legal na Espanha não é tanto o de línguas regionais quanto o de línguas próprias, reconhecidas pela Constituição.

Na França, deparamos-nos com os sacrossantos dois primeiros artigos da Constituição da Quinta República para promover a diversidade linguística, em nome da indivisibilidade da sociedade francesa. Para contornar o problema, assistimos a uma desterritorialização da questão: o verdadeiro território de uma língua é o cérebro de quem a fala. Esta fórmula (de um ex-Delegado Geral para a Língua Francesa e as Línguas da França) pode ter contribuído para a invisibilização das línguas regionais da França no espaço público, deixando o francês como única língua da República. Ao contrário, tornando a variação visível, alguns atlas linguísticos se propuseram a traçar em mapas os resultados de pesquisa de campo. O primeiro atlas linguístico moderno nesse sentido é o da França (Gilliéron & Edmont, 1902–1910), que cobre mais de 600 municípios e dos quais um projeto recente digitalizou os materiais recolhidos.

Em outros países europeus, vários projetos visam a tornar os dados dialetais coletados durante o século XX acessíveis em um contexto mais amplo: na Suíça, Alemanha, Itália, Bélgica, Noruega, etc. Uma terceira geração de atlas explora as novas possibilidades oferecidas pelo crowdsourcing para mapear a variação regional em idiomas como o francês, o alemão, o italiano ou o inglês, com milhares de informantes por meio de aplicativos de smartphone e/ou as redes sociais. Raros são os atlas sonoros como os que, por exemplo, abrangem a área francoprovençal. Quando incluem uma dimensão de áudio, limitam-se geralmente a palavras isoladas, seguindo uma abordagem onomasiológica e/ou semasiológica. No entanto, podemos citar um atlas sonoro que, partindo da França hexagonal (Boula de Mareüil et al., 2017), foi estendido aos territórios ultramarinos (Caribe, Oceano Índico e Pacífico), às línguas sem território compacto como o rromani, bem como a países como a Bélgica, a Suíça, a Itália, a Alemanha e a Península Ibérica, nas imediações da França. Este atlas online <https://atlas.limsi.fr> permite que se ouça a mesma fábula de Esopo em mais de 600 versões, também transcritas ortograficamente.

A transcrição ortográfica para as línguas regionais levanta importantes questões teóricas e práticas. Na ausência de tradições escritas bem estabelecidas e de uma autoridade única, essas línguas não gozam de padrões reconhecidos e aceitos por todos. Portanto, as soluções propostas variam de acordo com os idiomas, mesmo entre aqueles que se baseiam no alfabeto latino e que se pretendem fiéis à pronúncia. As grafias adotadas são mais ou menos fonéticas (refletindo uma pronúncia local específica) ou diasistêmicas (enfatizando a unidade de um conjunto de dialetos). Às vezes, o sistema é híbrido, por uma questão de eficiência, notando o que difere na pronúncia de um idioma dominante, como o francês, o italiano ou o holandês, ao mesmo tempo que segue as convenções ortográficas desses idiomas. A grafia de tipo fonético tem a vantagem de tornar o vínculo com a pronúncia mais imediato e explícito, mas tem a desvantagem de supervalorizar a proliferação de peculiaridades microdialetais, dificultando a compreensão. Por outro lado, as grafias de tipo diasistêmico têm a vantagem de serem abrangentes (ou seja, integram várias pronúncias possíveis), mas têm a desvantagem de serem mais complicadas de implementar e dominar.

De qualquer forma, neste mundo em rápida mudança, numa sociedade onde a comunicação mediada por computador e smartphone ocupa um lugar preponderante, dificilmente haverá outra porta de salvação para as línguas minoritárias do que a escrita. Assim, estratégias estão sendo postas em prática na Suíça alemânica, onde, sem serem oficialmente reconhecidos, os dialetos são bastante vivos – algo raro o suficiente para ser relatado – eles têm uma imagem positiva e uma função identitária: distinguirem-se da Alemanha. Quase em todos os outros lugares, as línguas regionais estão em declínio e é sem dúvida inevitável que sejam suplantadas por línguas mais difundidas, não sendo garantida a transmissão aos jovens. Numa época em que a diversidade linguística e biológica está ameaçada, pode-se defender a ideia de que cada língua, cada dialeto fornece os meios formais de expressar matizes de pensamento; cada língua, cada dialeto remete a toda um imaginário pelo que as palavras evocam, pelo jogo dos sons. Além disso, conviver com várias línguas (majoritárias ou minoritárias) permite uma abertura ao Outro, permite compreender a diferença, bem como aprender a conhecer a multiplicidade de visões do mundo.


Referências

Boula de Mareüil, P., Vernier, F., Rilliard, A. (2017), “Enregistrements et transcriptions pour un atlas sonore des langues régionales de France”, Géolinguistique 17: 23–48.

Chaudenson, R. (2004), La créolisation : théorie, applications, implications, L’Harmattan, Paris.

Ferguson, C. A. (1959), “Diglossia”, Word 15: 325–340.

Fishman, J. A. (1991), Reversing language shift: Theoretical and empirical foundations of assistance to threatened languages, Multilingual Matters, Clevedon.

Gilliéron, J. & Edmont, E. (1902–1910), Atlas linguistique de la France, Champion, Paris.

Kloss, H. (1967), “'‘Abstand’ languages and ‘Ausbau’ languages”, Anthropological Linguistics 9(7): 29–41.

Ninyoles, R. L. (1969), Conflicte lingüístic valencià: substitució lingüística i ideologies diglòssiques, Edicions 62, Barcelona.

 Preston, D. R. (2005), “What is folk linguistics? What should you care?”, Lingua Posnaniensis 47: 143–162.